Grindar no poker vs. a vida: é possível ter compatibilidade?

Existe um balanceamento universal entre vida e trabalho no poker?

Depende de como você define balanceamento.

Se você vê esse equilíbrio como a equidade absoluta entre tempo, esforço e qualidade de vida, então a resposta em circunstâncias normais é “não” para jogadores de poker amadores e novos profissionais, “talvez” para jogadores mais experientes e “sim” para feras do high-stake.

Se você vê o equilíbrio como a estabilidade entre vida e trabalho, ou pelo menos uma igualdade proporcional, então a resposta é “sim” para todos os tipos de jogadores.

Balanceamento nem sempre será um termo fixo – seu significado é bastante versátil, dependendo de quem você é, o que exatamente quer agora, quais seus planos para o futuro próximo, com que frequência seus planos mudam, quão saudável você é, o que está acontecendo na sua vida e com sua família, além de muito mais.

Phil Galfond descreve o paradigma do equilíbrio para jogadores de poker em seu manifesto “anti-balanceamento”, confira:

“O ‘equilíbrio’ certo para um jovem de 21 anos que acaba de começar como jogador profissional é bem diferente do ‘equilíbrio’ de um contador que possui esposa e três filhos aos 45 anos. O balanceamento certo pode ser diferente de um ano para o outro, até mesmo de um mês para o outro, baseado sempre no que você quer e o que sua carreira e vida estão demandando”, explica.

Vamos dizer que você é um jogador profissional novato. Se você não é excepcionalmente sortudo na sua jornada no poker, a relação entre jogar poker e ganhar dinheiro será, na maioria das vezes, bastante estressante durante o grind, tendo em vista que você precisará de bastante volume para acumular experiência. Isso reduz suas prioridades e o tempo livre que você poderá passar com outras pessoas, cuidando de sua saúde ou praticando hobbies.

Então, nessa situação, o desbalanceamento em termos de equidade já existe por padrão.

Além disso, se você quiser ter uma vida decente com o poker, terá que atingir um buy-in médio ou stakes com ROI adequado para a qualidade de vida que você espera. As pessoas raramente começam a jogar e já acumulam ganhos; a maioria de nós precisa trabalhar duro para atingir um nível razoável no jogo, mudando nossas escalas aos poucos durante a vida.

Talvez você seja um jogador profissional de poker experiente e sólido que só deseja ganhar mais dinheiro. Nesse caso, terá que jogar e estudar com maior frequência e da maneira mais efetiva possível, visando montar um bankroll e desenvolver as habilidades necessárias que lhe ajudarão posteriormente quando estiver jogando com um buy-in médio ou stakes maiores. Isso significa que terá que passar mais tempo e gastar mais dinheiro com o jogo por um determino período, até se firmar em um patamar que lhe permita gastar mais tempo com você e sua família.

Aliás, nem sempre esse esforço terá o resultado esperado: muitos jogadores nunca conseguem avançar e às vezes mantém o mesmo nível, não importa o quanto tentem grindar, estudar ou sacrificar suas vidas por uma chance de sucesso no poker. Uma boa parte do field está apenas gastando dinheiro e, muitas vezes, encerrando carreiras por conta de volatilidade, fadiga geral e discrepância entre sucesso e resultados.

Como balancear o grind no poker com a vida?

Phil Galfond sugere que, ao invés de tentar equilibrar o grind e a vida, você deve harmonizá-los:

“A harmonia entre vida e trabalho significa fazer ambas as áreas funcionarem bem. Você pode focar mais em áreas específicas a cada tempo, mas deve fazer isso intencionalmente, de forma que consiga alinhar seus valores e lhe permita cuidar das áreas menos priorizadas. Isso envolve sustentabilidade – criar rotinas, hábitos e sistemas que lhe previnem do burnout e garantam um bem-estar de longo prazo”, afirma.

Primeiramente, você deve ter o conhecimento de que as horas que gasta fazendo algo nem sempre tem a mesma qualidade:

“A oitava hora de sua sessão de poker não será tão focada quanto a primeira. A sua quarta hora de estudo não terá o mesmo impacto que a segunda.

Talvez essa forma de dividir o foco possa acabar prejudicando todas as horas do seu dia.

Otimizar seu calendário para tirar o máximo das horas que tiver, em todas as áreas da sua vida, é uma maneira de achar tempo onde parece não existir. Uma hora de qualidade vale mais do que três horas sem qualidade geralmente”, declara.

Portanto, estude suas prioridades e ajuste seu calendário diário para segui-las mais efetivamente em todas as áreas da sua vida.

Em segundo lugar, você deve gerenciar sua energia de forma inteligente para sempre apresentar a sua melhor versão em todas as situações:

“Falarei a partir da minha própria experiência. Se trabalhar durante 10 horas em um dia, saindo de ligação para ligação, tarefa para tarefa, sem nenhum intervalo real além de idas rápidas ao banheiro – quando saio do meu escritório para me juntar a minha família ao acabar meu tempo de trabalho…

Eles não terão a minha melhor versão. Eu morro no sofá. Meu filho quer jogar comigo e eu tento convencê-lo a assistir TV. Se existir uma tarefa, eu me sento e deixo minha esposa fazê-la. 

Minha energia está acabada. Não apenas fisicamente, mas também emocionalmente. Eu não estou nem mesmo empolgado por estar ali. Se você tirar meu celular e outras distrações de perto, me forçando a estar presente, meu eu-verdadeiro – minha melhor versão – ainda não estará lá”, revela.

Você pode gerenciar sua energia de maneira melhor seguindo dois passos:

1. Identificando quais tarefas custam mais energia e porquê – além do contrário também. Se possível, delegue, automatize ou remova completamente alguns “ralos” de energia, mesmo que isso significa sacrificar um pouco de seu EV a curto prazo.
2. Consolide uma rotina diária de manhã com a inclusão obrigatória de treinos físicos, intervalos após algumas horas e pequenos exercícios e alongamentos durante o dia.

Lembre-se que é absolutamente normal se desapegar ou diminuir o tempo gasto com pessoas específicas que sugam sua energia. Não existe vergonha em querer se comunicar somente com pessoas que trocam energia com você ao invés de apenas as sugar como vampiros.

Você também precisa saber quando parar e se dar mais tempo para descansar quando sentir a necessidade. Ajuste sua rotina quando necessário – você não deve se forçar a agir energicamente porque “tem que” quando sua bateria estiver baixa.

Em terceiro lugar, gerencia dois tipos de expectativas: as suas e de outras pessoas significantes para você. Enquanto as suas são fáceis de controlar, – tendo em vista que você pode checar suas necessidades e ajustá-las – não poderá fazer o mesmo com os outros. Como Phil diz, um dos desafios mais comuns para jogadores de poker é achar um meio de campo entre querer passar mais tempo trabalhando e não desapontar as pessoas que ama.

Existem duas soluções para esse tipo de situação:

1. Proponha um acordo com as pessoas que ama. Por exemplo, Phil usa: “Se eu conseguir isso, poderei realizar essa outra coisa. Isso funciona bem para você também?” – quando você chega a um acordo, isso permite que ambas as partes levem a opinião do outro em conta para encontrar a melhor solução juntos.
2. Discuta, crie metas e pense no futuro com aqueles que ama. Isso inclue seus objetivos, os objetivos deles, visões pessoais de futuro individuais e coletivas. Estabeleça objetivos comuns sabendo as suas diferenças e tente achar a melhor maneira de cumpri-los.

Lembre-se que as pessoas não leem mentes e às vezes interpretam errado o sentimento de outros. Use apenas o diálogo como ferramenta para entender a si e as pessoas que ama, além de encontrar harmonia em suas relações.

Quando não escolher o grind ou trabalho

Alguns jogadores de poker usam a dedicação para o jogo como forma de escapismo – uma desculpa para sabotar suas relações e estilo de vida longe das mesas.

Se notar que prefere jogar poker até a exaustão no lugar de sair com seus amigos e família, realizar tarefas domésticas, ir para a faculdade ou se educar de outra forma – esse pode ser um sinal de que é melhor para de jogar poker e procurar ajuda psicológica.

A PokerListings não quer dizer que você tem problemas de saúde mental, mas nessas circunstâncias, suas escolhas podem ser um sinal de que é o momento para reconsiderar sua situação atual, valores de vida e prioridades – assim como a qualidade de suas relações.

Também não recomendamos o grinding se você tiver problemas sérios com resposta ao estresse – por exemplo, se perde o temperamento fácil, tem problemas para se recuperar de emoções negativas ou tem pouco controle sobre o seu comportamento sob pressão. Ir para a terapia ou ao menos praticar a meditação pode ser mais benéfico para sua felicidade e qualidade de vida do que grindar exaustivamente.

Por fim, você pode ter dificuldades para grindar se sua saúde mental piorar ao longo de sessões ou pelo uso prolongado de dispositivos eletrônicos.

Você pode considerar também jogar outras variações do poker que não são exigem dedicação total por longos períodos ou até mesmo restringir com firmeza o tempo de suas sessões para prevenir a deterioração de sua saúde.